Desde o começo desta década – o que por coincidência também caracteriza começo de século e de milênio – o Brasil tem visto empresas concorrentes se fundirem em nome de um apetite mundial. Deve ser o modus operandi da política externa brasileira do século XXI!
Ninguém diria que depois de tantos anos na guerra das cervejas – o que mais parecia, nos anos
O CADE aprovou a iniciativa e os anos mostraram que a estratégia deu certo. Reconhecida pela maestria na eficiência operacional, voracidade no corte de custos e executivos no perfil mais agressivo que Manhattan poderia criar, a AmBev logo se apoderou da poderosa Interbrew, belga – país da melhor cerveja do mundo – e formou a InBev, espécie de junção na nomenclatura de Interbrew com AmBev. Sai o Am, já que com a cervejaria belga não fazia sentido ter apenas América no nome. In e Inter dão o aspecto internacional que a AmBev proclamara. Anos mais tarde, a InBev compra o ícone do lúpulo norteamericano, a Anheuser-Busch, dona da marca Budweiser, entre outras, a cerveja mais popular do Tio Sam. E muda o nome de novo, para ABInbev, desta vez sem que eu veja muito motivo. Tudo isso sempre mantendo no topo os executivos brasileiros, considerados exemplo de administração na Interbrew – já que os executivos belgas eram bem menos aguerridos que seus colegas tropicais.
Pode-se dizer hoje que o Brasil tem uma empresa de sólida performance mundial. A maior cervejaria do mundo começou no Brasil, dominou o melhor (Bélgica) e o maior (EUA) países em matéria de fermentação e é referência de estudo em muitas universidades – americanas.
A era Lula meio que incentivou esse modelo brasileiro de jogar o jogo global. Anos de especulação acabaram dando vida à Oi, uma telco resultante de Telemar e Brasil Telecom, dominando, na telefonia fixa, todos os estados brasileiros com exceção do de São Paulo. É verdade que são grandes aqui dentro, mas ainda não vi nenhum movimento da Oi para fora da fronteira. A concorrência é muito pesada, é certo, mas oportunidades sempre existem – África que o diga...
Vimos em novembro último o nascimento de Itaú-Unibanco. Lula não teve nada a ver com isso, é verdade, mas aposto que gostou de ver um gigante financeiro nascendo no Brasil com condições plenas de ter performance internacional.
E vimos na semana passada a BRF, ou Brasil Foods, nome global do que uniu Sadia com Perdigão depois de meses de intensas discussões. (Aqui Lula teve influência pessoal, e considerou um ótimo negócio depois que encontrou Ronaldo, o Fenômeno, no prédio da Paulista em que selaram o acordo. Ronaldo é do Corinthians, time patrocinado pela Batavo, marca da Perdigão. Ronaldo mandou a bola, Lula fez gol e tá lá a BRF com a taça na mão.)
Lula pegou tanto gosto por isso que não seria de se estranhar se quisesse agora juntar a Hypermarcas com a Asa e formar a Unilever do hemisfério sul...
Passada essa parte empresarial – e deixando sorrateiramente de lado toda e qualquer discussão que poderá ter surgido dessa passagem, seja ela política ou não, demagoga ou não –, vem a pergunta: qual é a agência de propaganda da ABInbev fora do Brasil?
Qual será a agência do Itaú-Unibanco fora do Brasil? Com operações já em países como Argentina, Arábia Saudita, Rússia, Alemanha, a BRF terá qual agência de propaganda no seu mercado mundial?
Gigante pela própria natureza, o Brasil tem um mercado interno muito grande, capaz de suprir toda a oferta de propaganda aqui existente. Nós, os publicitários, estivemos acostumados a trabalhar olhando pra dentro, fazendo a propaganda que fala com o Brasil, a propaganda do estilo brasileiro.
Não critico a qualidade do que fazemos, já que os prêmios nos colocam como terceiro e às vezes segundo melhor lugar mais criativo para nossa atividade. Mas é por isso mesmo que eu levanto a bandeira da propaganda brasileira internacional.
A propaganda americana é a mais badalada, a mais seguida. Não é só benchmarking, mas ela própria é usada em outros países. As grandes idéias originadas ali viajam para centenas de países em nome de uma campanha única, global, para marcas únicas com presença global. O VP de mkt, geralmente instalado do lado norte do mundo, pede pra agência uma campanha que ele possa ver em todos os países nos quais ele for fazer uma reunião – o que, na opinião dele, caracteriza uma comunicação integrada. A agência geralmente também está do lado norte do mundo e a campanha escorrega pra cá, no famoso trickle-down moviment, e cá estamos nós com mais uma campanha importada. Elas existem aos montes, e podemos citar a última da Visa e a eterna da Mastercard, só pra ficar nos cartões de crédito.
A questão aqui é que, americanas ou londrinas, essas agências aprenderam a criar para o mundo ao invés de ficar presas no mercado interno. Não que o mercado interno seja desprezado – isso seria burrice e não estamos falando disso –, mas a comunicação deles é capaz de falar, já desde o começo, não só com o americano médio ou o britânico médio, mas com o ser humano médio, esteja ele no país que for.
Levanto aqui a bandeira para que as agências brasileiras não percam a oportunidade desse novo movimento, o de o Brasil ter multinacionais, que estão indo pra fora e, naturalmente, vão precisar de uma agência que lhes facilite a vida no relacionamento com os mercados locais de diversos países.
Pode nascer aqui um novo filão, o das agências ou profissionais expert em catalisar o mercado consumidor mundial para as múltis brasileiras e diminuir o tempo e o esforço que elas teriam para passar a ser aceitas nesses locais. Uma comunicação vibrante, como a propaganda brasileira faz, mas que, mais do que samba ou carnaval, seja capaz de tocar e convencer os mercados internacionais pela assertividade do seu posicionamento, a inteligência da sua estratégia e a qualidade de sua produção.
O Itaú-Unibanco está no Chile e na Argentina, e quer se embrenhar mais pela América Latina. Por que as agências desse banco ainda não fizeram nada específico pra isso? A ABInbev está necessitada de uma assessoria para lidar com o público americano, que não gostou nadinha de ver seu ícone indo para as mãos de brasileiros. Por que as agências brasileiras ainda não se propuseram a nada? Da mesma forma, não deve ser nada fácil lidar com o mercado saudita, onde está a BRF. Cadê as agências brasileiras pra falar com esse público?
As agências holandesas são um bom exemplo. Como o mercado é pequeno lá, não resta outra coisa que não abrir hot shops e fazer comunicação de apelo mundial. Tem dado certo. A Argentina, com seu mercado interno quase no zero com a era Kirchner, tem sido porta de entrada para algumas hot shops, além de suas produtoras trabalharem extensivamente para agências de fora.
O Brasil tem um belo de um mercado interno, que nos garante uma autonomia fora do comum. Não quero que a gente se compare com a Holanda ou com a Argentina, que não tiveram outra escolha senão olhar pra fora. Prefiro que a gente veja como NY e Londres se fizeram centro mundial da propaganda, mesmo tendo um mercado interno autônomo, tanto quanto o Brasil, e com um poder aquisitivo infinitamente maior que o nosso. Só isso seria tentação para ser uma propaganda localizada. Mas eles não caíram em tentação.
Os anos de substituição de importações parecem ter feito o Brasil olhar muito pra dentro, deixando de lado o que há do outro lado do muro. Com as empresas indo pra fora, urge a necessidade de os publicitários daqui fazerem sucesso e ganharem Cannes não apenas pelas peças veiculadas aqui, mas pela capacidade igualmente brilhante de atrair a atenção de consumidores que falam qualquer outra língua do mundo, menos o nosso português. O Brasil está acontecendo lá fora, o BRIC é real e com muita expectativa; que as agências daqui impulsionem as marcas lá pra fora – antes que elas comecem escolher as hot shops holandesas por alinhamento global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário